Qual a relação da Música com as pinturas em Cavernas?
Quando falamos de arte, já imaginamos todas as áreas artísticas fragmentadas (como música, pintura, dança), mas dificilmente pensamos na arte de forma total. Essa diferenciação entre os vários tipos de expressões artísticas não é de todo ruim, mas muitos significados e interpretações acabam se perdendo porque não conseguimos compreender a totalidade de algumas idéias e fazeres artísticos.
Por exemplo, se eu te perguntar qual a relação da pintura com a música, você saberia o que falar? E se eu te disser que, provavelmente, a pintura esteve associada à música desde o princípio da humanidade, você acreditaria?
Pelo menos, é isso que diz a teoria do musicólogo Iegor Reznikoff, que aponta uma forte conexão entre o som e as pinturas rupestres. Mas, antes de tudo: o que é Arte Rupestre?
O que é Arte Rupestre?
Chamamos de Arte Rupestre aquelas famosas pinturas pré-históricas encontradas em cavernas.
Na verdade, embora hoje saibamos da existência de mais de 200 sítios arqueológicos com pinturas em cavernas, essa descoberta é considerada “recente”, pois foi só na década de 1870 que encontraram as primeiras pinturas rupestres – em Altamira, Espanha.

O problema é que da pré-história não nos chegaram textos ou documentos que possamos consultar, somente as pinturas foram preservadas (pois estamos falando de artes de 10 a 30 mil anos a.C., ou mais).
Com isso, você já imagina o problema para sabermos qualquer coisa sobre o que essas pessoas faziam, o porquê dessas pinturas, ou qualquer outra questão. Por isso, arqueólogos, historiadores e diversos profissionais elaboraram hipóteses (teorias) sobre a cultura e vida das pessoas deste período – e, consequentemente, sobre a arte!
Segundo o famoso historiador de arte H. W. Jason, alguns estudiosos consideram que o surgimento da arte se deu sensivelmente ao mesmo tempo em que os humanos se deslocavam para além do continente Africano.
Segundo perícias, a execução dessas pinturas apresenta resultados que são consequências de um longo período de experimentação de técnicas e práticas artísticas, o que nos leva a crer que a prática da arte fosse muito anterior aos objetos ou pinturas que conhecemos.
Porém, existe também outro grupo de estudiosos que discorda dessa teoria. Pois, para eles, houve uma mutação neurológica na estrutura do cérebro que permitiu ao homem primitivo ter pensamento abstrato. Isso quer dizer que a aparição da arte se deu como parte da evolução do ser humano.
Na verdade, não sei dizer se essas teorias são opostas ou se complementam. Mas a questão do porquê a arte surgiu e porque os seres humanos fazem arte, são apenas a ponta desse iceberg de mistérios.
Qual o Significado das Pinturas das Cavernas?
Bom, já começo dizendo que: Não sabemos!
O que sabemos é que as formas de animais são, em grande maioria, as imagens mais recorrentes nas pinturas rupestres. Além disso, existem registros de marcas e formas que aparecem isoladas como também acompanhando outras figuras, o que nos leva a crer que pode existir um significado simbólico disso. Por fim, mãos humanas também aparecem estampadas. E formas humanas, ou parcialmente humanas, também foram encontradas.
Mas, qual seria o significado ou interpretação destas pinturas? Difícil dizer.
“Por mais majestosas que essas pinturas possam parecer, são também profundamente enigmáticas: que objetivo serviam?” — H. W. Jason
Entretanto, na maioria das vezes, a inspiração para essas pinturas é atribuída a motivos mágicos e religiosos. Mas, como eu disse, tudo isso são teorias, já que não conseguimos comprovar oficialmente.
Som/ Música como Cereja desse Bolo de Mistérios
No meio dessa sopa de incertezas, o musicólogo Iegor Reznikoff apresentou uma teoria muito interessante:
O pesquisador francês encontrou evidências de que as pinturas rupestres na França foram colocadas em locais particularmente ressonantes, e que essa ressonância parece fundamental para sua localização e função. Por isso, Iegor considera as cavernas como uma espécie de “instrumento musical”, pois a maioria das cavernas são ressoadores gigantes.
Isso quer dizer que o local onde essas pinturas foram feitas pode nos dar pistas sobre suas funções e propósitos. Segundo o musicólogo:
“A maioria das cavernas é altamente ressonante, como tubos abobadados acústicos, e pode produzir efeitos de eco bastante surpreendentes. Se as pessoas que usaram essas cavernas cantaram ou usaram som, parece provável que elas tenham escolhido para seus ritos locais acessíveis, com a melhor acústica. Este aspecto acústico das cavernas nunca havia sido considerado antes do nosso estudo em 1983 em Le Portel (Ariège, França), que felizmente era uma caverna muito ressonante. O resultado apareceu claramente: há uma ligação entre os locais das pinturas (gravuras ou sinais) e a qualidade da ressonância nesses locais da caverna. Para declarar o resultado de forma simples: quanto mais ressonante o local, mais pinturas ou sinais são encontrados neste local.” — Iegor Reznikoff
Pinturas e o Efeito “Bisão”
Além dos locais comuns que são ressoantes nas cavernas, os pesquisadores também notaram que não é incomum encontrar locais pequenos, que eles descreveram como recesso, nicho ou alcova – um buraco em uma grande parede, onde é possível colocar apenas a cabeça humana.
Segundo os pesquisadores, esses recessos são muito ressonantes. Alguns são decorados com pinturas ou pontos vermelhos e estão ao lado, abaixo ou logo à frente de outras pinturas ou pontos.
“Isso é o que chamamos de efeito bisão. Em quase todas as cavernas, existem esses recessos: Le Portel, Arcy, Oxocelhaya (País Basco), Labastide (Pireneus) e Bernifal (Dordonha). Nas cavernas de Niaux e Kapova, tais recessos ressonantes estão situados em salões já muito ressonantes, e o efeito é ainda mais impressionante e pode ser ouvido de longe. Esta descoberta é importante para entender o significado ritual das cavernas pintadas.” — Iegor Reznikoff

De forma geral, os pesquisadores apontaram que os pontos ou marcas vermelhas estão intimamente relacionados aos locais de ressonâncias das cavernas. Por isso, para eles, os pontos vermelhos têm um significado sonoro-ressonante.
Com base nisso tudo, o musicólogo Iegor Reznikoff conseguiu identificar uma profunda relação entre a pintura rupestre e o som (e provavelmente a música). Em sua teoria, ele apontou um paralelo entre o som e a pintura desde a pré-história.
Para ele, pensando nas artes encontradas nas cavernas, a relação entre a pintura e o som podem ser compreendidas em dois níveis:
- Nível funcional: sons vocais como um sonar, relacionados a pontos vermelhos.
- Nível ritual: canto, flautas etc., relacionados a pinturas ou gravuras figurativas.
Essa teoria nos mostra que nem sempre separar a arte em diversas áreas é a melhor solução para entendermos a arte e a expressão humana!
Referências
(De onde tiramos essas informações)
JANSON, W. H., A nova História da Arte de Jason. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2010.
REZNIKOFF, Iegor. On Primitive Elements of Musical Meaning. Journal of Music and Meaning, 3, Fall 2004/Winter 2005: section 2.1.2005.
REZNIKOFF, Iegor. Prehistoric Paintings, Sound and Rocks. In E. Hickmann (ed.), Studien zur Musikarchäologie III: Papers from the 2nd International Symposium on Music Archaeology, Monastery Michaelstein (Germany), 2000, 39–56. Orient-Archäologie 107. Berlin, Rahden. 2002.
REZNIKOFF, Iegor. The evidence of the use of sound resonance from Palaeolithic to Medieval Times. In C. Scarre & G. Lawson (eds.), Archaeoacoustics, 77–84. Cambridge, University of Cam- bridge. 2006.
REZNIKOFF, Iegor. The sound dimension of Shulgan-Tash (Kapova) cave in relationship with Palaeolithic paintings. In Kulturnoie Nasledie Iuzhjnogo Urala, 87–92. Conference in Ufa, 2009. Ufa, Academy of Science. 2010.
REZNIKOFF, Iegor. La dimension sonore des grottes paléolithiques et des rochers à peintures. In J. Clottes (ed.), L’art pléistocène dans le monde / Pleistocene art of the world / Arte pleistoceno en el mundo, Actes du Congrès IFRAO, Tarascon- sur-Ariège, septembre 2010, Symposium “Art pléistocène en Europe“, CD: 45–46. N° spécial de Préhistoire, Art et Sociétés, Bulletin de la Société Préhistorique Ariège-Pyrénées, LXV-LXVI, 2010-2011.2012.