Música e a doença de Alzheimer
“A música pode curar as feridas que a medicina não pode tocar” — Davide Antochi
A música tem sido usada há séculos para promover bem-estar e saúde. Pesquisas mostram que ela pode influenciar nosso cérebro de várias formas: ajudando na liberação de hormônios, estimulando ondas cerebrais, melhorando as emoções e até fortalecendo a memória e a cognição.
A musicoterapia e as chamadas Intervenções Baseadas em Música (IBMs) estão ganhando reconhecimento como uma forma eficaz de aliviar dores, reduzir estresse, ansiedade e depressão, além de auxiliar no tratamento de doenças neurológicas, como Alzheimer, por exemplo. No entanto, os cientistas ainda buscam entender exatamente como a música gera esses benefícios no cérebro.
Música, Memória e Alzheimer
Existem muitas pesquisas sobre Alzheimer, em diferentes áreas do conhecimento, buscando compreender melhor e como remediar esse distúrbio neurológico – inclusive apontando os benefícios da música e sua relação com a memória.
Alguns cientistas dizem que a pessoa com Alzheimer pode acabar perdendo sua personalidade/identidade, o que chamamos de Self. Entretanto, o neurocientista Oliver Sacks discorda desta questão. Para ele, embora a doença possa deixar a pessoa limitada e incapacitada, os aspectos de seu caráter essencial, de sua personalidade e individualidade podem sobreviver.
“A pessoa com Alzheimer perde muitas de suas capacidades ou faculdades conforme a doença avança. Com frequência a perda de certas formas de memória é um dos primeiros indicadores do Alzheimer, e pode progredir até amnésia profunda. Posteriormente ocorre a deterioração da linguagem e a perda das capacidades mais refinadas e profundas, como avaliar, prever e planejar. Por último, a pessoa com Alzheimer pode perder alguns aspectos fundamentais da autopercepção, em especial a percepção de suas capacidades. Mas será que a perda dessa autopercepção, ou de alguns aspectos da mente, constitui uma perda do Self?” – Oliver Sacks
Neste ponto, é interessante mencionar que vários estudos indicam que em pacientes com Alzheimer, a resposta à música, em especial, é preservada mesmo quando a demência está muito avançada.
Isso é muito interessante porque a emoção e a memória para músicas podem sobreviver até muito tempo depois de todas as outras formas de memória terem desaparecido. Por isso, existem muitos estudos científicos sobre a persistência de capacidades musicais na demência neurológica, inclusive em casos avançados.
O neurocientista Oliver Sacks, ao falar sobre seus pacientes com Alzheimer, menciona que a música é uma das únicas coisas que pode mantê-los ancorados neste mundo.
Mesmo que a maioria de seus pacientes não tenham dons musicais extraordinários, eles são capazes de conservar suas habilidades e preferências musicais quando a maioria das outras capacidades mentais estão severamente comprometidas. Isso nos mostra a importância da música, quer ela provenha de concertos, gravações ou musicoterapia.
Por isso, o neurocientista diz que quem presencia tais respostas à musicoterapia, percebe que ainda existe um Self que pode ser convocado, mesmo que só a música possa ser capaz de fazê-lo. Em outras palavras, a música pode ser a âncora momentânea que mantém a identidade de pacientes que, muitas vezes, não conseguem lembrar do próprio nome.
“A música é parte do homem, e não existe cultura humana na qual ela não seja altamente desenvolvida e valorizada. Mas para quem está perdido na demência, a situação é diferente. A música não é um luxo para essas pessoas, é uma NECESSIDADE, e pode ter um poder superior a qualquer outra coisa para devolvê-las a si mesmas, e aos outros”. – Oliver Sacks.
O Rítmo e a Dança Também Podem Ajudar
A musicoterapia tem vários benefícios para todos nós, mas principalmente para pacientes com demência. Mas essa ligação é mais profunda, mais primordial, quando a dança está inserida. Quando somos capazes de coordenar nossos corpos e não só nossas vozes (é claro, quando existe essa possibilidade de mobilidade física).
Por isso, existem vários estudos sobre o poder da música atrelado à dança na terapia. Inclusive em casos de transtornos neurológicos como Alzheimer e Parkinson. Isso acontece porque o ritmo pode restaurar nossa noção de habitar um corpo e um senso primordial de movimento e vida.
Além disso, estudos apontam que os círculos de percussão são outra forma de musicoterapia que pode ser inestimável para pessoas com demência, pois como a dança, a percussão comunica-se com níveis muito fundamentais, subcorticais, do cérebro.
Conclusão
A música tem um grande potencial terapêutico, especialmente para pessoas com doenças neurológicas, como Alzheimer.
Além disso, pesquisas mostram que a musicoterapia pode ajudar no controle dos movimentos, no equilíbrio e na cognição de quem tem Doença de Parkinson, além de melhorar a comunicação e as emoções em pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
Diferente de medicamentos e outras terapias, a música não causa efeitos colaterais e pode ser usada de forma prazerosa. Muitos tratamentos tradicionais para distúrbios neurológicos envolvem remédios ou procedimentos invasivos, que podem gerar desconfortos. A musicoterapia, por outro lado, age de maneira ampla, ajudando a equilibrar o cérebro e promovendo o bem-estar.
Embora ainda se estudem os detalhes de como a música atua no cérebro, já se sabe que ela pode ser uma forte aliada na recuperação neurológica e na melhora da qualidade de vida. Isso torna a musicoterapia uma opção segura e acessível para complementar outros tratamentos.
Referências
(de onde tiramos essas informações)
Chauhan, N., et al. Music Medicine for Neurological Disorders. In: Rezaei, N., Yazdanpanah, N. (eds) PsychoNeuroImmunology. Integrated Science, vol 30. Springer. 2024.
SACKS, O. Alucinações Musicais. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.