Homem de olhos fechados usando fones de ouvido.

Ouvido Absoluto – O que é isso?

Existem muitas pessoas com habilidades musicais, e também existem aqueles que parecem ter “superpoderes” auditivos. Por mais exagerado que essa afirmação possa ser, não podemos negar que alguns indivíduos apresentam aptidões musicais e auditivas um tanto únicas.

Uma dessas habilidades é o Ouvido Absoluto – creio que você já ouviu algo sobre isso. Mas o que é Ouvido Absoluto? Será que todos somos capazes de ter ou é uma dádiva concedida somente a algumas pessoas?

O Que É Ouvido Absoluto?

Para entendermos o que é Ouvido Absoluto pense o seguinte: De modo geral, quando vamos ao mercado, sabemos que uma banana é amarela, uma beterraba é roxa, e uma cenoura é laranja. Certo? Ninguém pensa qual deveria ser a cor da banana, uma vez que já sabemos que é amarela.

Quando falamos de Ouvido Absoluto, estamos falando de pessoas que não precisam parar e pensar qual é aquela nota musical, ou som. Para essas pessoas, identificar os sons é algo tão natural quanto identificar as cores.

Desta forma, podemos definir Ouvido Absoluto como a habilidade de identificar a altura de um tom isolado (como, por exemplo, Dó para a frequência de 261 Hz) e/ou de cantar uma altura específica, sem auxílio de qualquer referência externa.

Segundo o neurocientista Oliver Sacks, as pessoas com Ouvido Absoluto podem distinguir imediatamente o tom de qualquer nota, sem precisar pensar ou comparar com qualquer outro som.

O ouvido absoluto não é só uma questão de percepção de tons. As pessoas que o possuem têm de ser capazes não só de perceber com precisão as diferenças entre os tons, mas também de nomeá-los, relacioná-los com as notas ou nomes de uma escala musical.” – Oliver Sacks

Mas, a precisão do Ouvido Absoluto pode variar. Estima-se que a maioria das pessoas que possuem essa condição pode identificar mais de 60 tons. E cada um desses 60 tons possui, para esses indivíduos, uma qualidade exclusiva e características que o distingue de qualquer outra nota.

Todo Músico Possui Ouvido Absoluto?

Pesquisas afirmam que o Ouvido Absoluto é um traço cognitivo muito raro, apresentado aparentemente por apenas uma em cada dez mil pessoas. Até mesmo entre os músicos, a prevalência varia de 5% a 50%.

Segundo Oliver Sacks, há muito tempo os relatos deixam claro que o ouvido absoluto é mais comum em músicos do que entre as pessoas em geral. Mas isso não é uma regra.

Ou seja, embora os músicos consigam desenvolver uma percepção musical mais refinada, nem todo músico possui Ouvido Absoluto. No Brasil, por exemplo, a prevalência de Ouvido Absoluto entre estudantes de música em universidades está em torno dos 6,5%.

Ouvido Absoluto É Para Sempre?

Infelizmente, várias pesquisas indicam que o Ouvido Absoluto pode mudar com a idade, o que tem sido um problema para muitos músicos mais velhos.

Além disso, outros distúrbios podem causar mudanças temporárias ou permanentes do Ouvido Absoluto, entre eles: derrames, traumatismos cranianos, e infecções cerebrais.

Oliver Sacks relatou um caso interessante entre seus pacientes neurológicos – um compositor que sofreu lesão cerebral com a ruptura de um aneurisma da artéria comunicante anterior, acabou perdendo seu Ouvido Absoluto. Para o compositor, não possuir mais o ouvido absoluto era equivalente a “ficar daltônico”.

Por Que Isso Acontece?

Há mais de 100 anos, a ciência tem buscado responder essa questão, que ainda não foi respondida na totalidade. Hoje, existem 4 principais teorias sobre isso, que são:

  1. A primeira hipótese é que o Ouvido Absoluto é uma habilidade inata, herdada geneticamente.
  1. Ao contrário da primeira, a segunda teoria diz que qualquer pessoa pode ter essa habilidade, desde que receba treinamento apropriado (se me permitem, como professora de música que fui por mais de uma década, acho isso bem improvável).
  1. A terceira teoria diz que é provável que todo ser humano nasça com essa capacidade, mas pouquíssimos conseguem desenvolvê-la.
  1. A última hipótese é que o Ouvido Absoluto pode ser adquirido, mas só quando o treinamento para isso é feito na infância (numa determinada idade).

Além disso, algumas pesquisas recentes indicam que há uma possibilidade de desenvolver o Ouvido Absoluto por meio de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Em outras palavras, se você nascer com uma boa genética e for estimulado por meio de treinamento musical (principalmente na infância), você pode desenvolver Ouvido Absoluto.

Ouvido Absoluto e Musicalização Infantil

Algumas pesquisas mostraram que crianças que são submetidas à educação musical, acabam desenvolvendo com mais facilidade o Ouvido Absoluto.

O pesquisador Sergeant, mostrou em seu estudo que 87,5% dos músicos que iniciaram o treinamento musical por volta dos 5 anos de idade tinham Ouvido Absoluto, enquanto crianças que começaram o treinamento musical após os 10 anos não.

Muitas pesquisas apontam a importância da educação musical na infância para o desenvolvimento do Ouvido Absoluto. Inclusive, existem alguns estudos que estimam que cerca de 50% das crianças que nasceram ou ficaram cegas na infância possuem Ouvido Absoluto.

Por isso, algumas pesquisas indicaram que crianças pequenas podem adquirir o Ouvido Absoluto como uma característica da fala, a qual pode então transferir para a música. Esse mecanismo funcionaria da mesma forma, ou próximo, que o aprendizado de uma segunda língua – e sabemos que crianças pequenas possuem essa facilidade.

Casos Interessantes

Oliver Sacks relata vários casos de Ouvido Absoluto em seu livro. Entre eles, o caso de um menino de 5 anos de idade que afirmava que o “Papa assoa o nariz em Sol (G)”. E, parece que ele estava correto em sua afirmação (rsrs).

Outro caso intrigante é do entomologista finlandês Olavi Sotavalta – especialista em sons de voo de insetos. Sotavalta usou seu Ouvido Absoluto em benefício da ciência. Em seus estudos, ele podia identificar o tom do som produzido pelo voo de um inseto gerado pela frequência das batidas de suas asas. Ele era capaz de estimar, de ouvido, a frequência exata (se isso não é um superpoder, eu não sei o que poderia ser!).

Ouvido Absoluto e Evolução

Uma pesquisa de 2006 apontou que o Ouvido Absoluto foi crucial para a origem tanto da fala como da música.

No livro The singing Neanderthals: The origins of music, language, mind, and body, o autor Steven Mithen aprofunda essa ideia. Ele supõe que a música e a linguagem tiveram origem comum e que uma espécie de combinações de proto-música e proto-linguagem caracterizou a mente do homem Neandertal.

Esse tipo de linguagem de significados cantada, sem palavras individuais como as entendemos, Mithen chamou de “Hmmm” (“holística-mimética-musical-multimodal”), e supõe entre elas habilidades miméticas e Ouvido Absoluto.

Nessa teoria, o desenvolvimento de uma linguagem compositiva e com regras, fez com que o cérebro dos bebês se desenvolvesse de forma diferente do que o “Hmmm” permitia. Segundo o autor, uma das consequências disso teria sido a perda do Ouvido Absoluto na maioria dos indivíduos, e a diminuição das habilidades musicais.

Sobre isso, Oliver Sacks disse que “Não temos até agora indícios que comprovem essa hipótese audaciosa de Mithen, mas ela é fascinante“. E de fato, é! Seria essa uma possível explicação evolutiva do porquê algumas pessoas possuem Ouvido Absoluto e outras não? Bom, fica aberta essa interrogação.


Referências

(de onde tiramos essas informações)

Deutsch, Diana et al. “Absolute pitch among American and Chinese conservatory students: prevalence differences, and evidence for a speech-related critical period.” The Journal of the Acoustical Society of America vol. 119,2. 2006.

LEVITIN, D. J. A Música no seu Cérebro. Tradução de Clóvis Marques. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

Mithen, Steven.The singing Neanderthals: The origins of music, language, mind, and body. 2005.

SACKS, O. Alucinações Musicais. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Sergeant, D. C. (1969). Experimental investigation of absolute pitch. Journal of Research in Music Education, 17, 135–143.

VANZELLA, PATRICIA; RANVAUD, RONALD. Por dentro do ouvido absoluto: Investigações por neuroimagem. Percepta – Revista de Cognição Musical, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 51, 2014.


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