O Que É Percepção Multissensorial?

A nossa percepção de mundo é multissensorial. Somos capazes de perceber sons, movimentos, cores, odores, formas, texturas e tantas outras coisas. Isso acontece porque nos relacionamos com o mundo por meio de diferentes sentidos (tato, visão, audição, paladar, olfato).

Isso nos faz questionar se existe alguma relação entre a audição – e a música especificamente –, e alguma outra forma de estímulo sensorial, como a visão. Será que um estímulo sensorial é capaz de afetar o outro?

Hoje em dia, existem pesquisas sobre como a mente integra essas informações de diferentes sentidos perceptivos, mas o conhecimento ainda é limitado, e muita coisa permanece desconhecida.

Porém, uma maneira de investigarmos como essas diferentes modalidades perceptivas (visão, audição…) podem interagir, é entendendo as possíveis Associações Intermodais.

Mas, você já ouviu falar em Associações Intermodais?

Associações Intermodais e Percepção

Um artigo de 2022 se propôs a estudar as possíveis associações intermodais, tendo a música como principal objeto de investigação. Mas, para entendermos melhor – Chamamos de associações intermodais os estímulos neurofisiológicos de diferentes modalidades, como cor e som.

Vale a pena reforçar que não estamos falando de sinestesia, ok?! Porque, diferente da sinestesia, que são associações simultâneas, o que chamamos de associações intermodais são associações de sensações entre si.

“Ao contrário da sinestesia, que é uma condição rara presente em apenas 4,4% da população, as associações intermodais são muito mais difundidas. Alguns neurocientistas os consideram como parte essencial e natural da cognição regular, já que a mente humana é intrinsecamente multissensorial “– texto retirado do artigo.

Vários cientistas procuraram compreender melhor como essas associações intermodais funcionam. Segundo o artigo, entender esses mecanismos pode contribuir para nossa melhor compreensão da integração multissensorial, que é uma das principais características da percepção (como falamos na introdução deste texto).

Segundo os pesquisadores, existem alguns tipos de correspondência intermodais:

• Correspondências Emocionais: envolvem duas sensações que estão associadas porque ambas estão associadas a uma emoção semelhante. Por exemplo, segundo a pesquisa, uma cor amarela e um tom musical podem estar associados à felicidade.

• Correspondências Estruturais: são mediadas por peculiaridades dos sistemas neurais que codificam informações sensoriais. Por exemplo, volume e brilho estão relacionados ao aumento da intensidade do estímulo, portanto, estímulos claros e brilhantes estão associados.

• Correspondências Estatísticas: envolvem duas sensações que são associadas porque elas são frequentemente correlacionadas no ambiente natural. Por exemplo, objetos menores frequentemente criam sons de tom mais alto, enquanto objetos maiores, de tom baixo, portanto sons agudos são associados a formas menores, e sons graves a formas maiores.

• Correspondência Semântica: envolvem duas sensações que são semanticamente congruentes e, portanto, associadas uma à outra.

Associações Intermodais – Música, Odor e Sabor

Cientistas encontraram vários tipos de associações intermodais, principalmente com relação à música e arte.

Por exemplo, um artigo de 2015 feito por pesquisadores da Califórnia – EUA, identificou que existe uma relação entre Música e Odores. No artigo, os pesquisadores identificaram que as correspondências intermodais entre odores e música são provavelmente mediadas pela emoção (Olha ela aí novamente!).

Isso significa, segundo o artigo, que as correspondências afetivas podem ser entendidas como um tipo de correspondência intermodal.

Outro artigo, também de 2015, feito por pesquisadores do Departamento de Psicologia Experimental, da Universidade de Oxford – Reino Unido, identificou uma relação entre a apreciação de música e o sabor do vinho. Isso significa que existe uma possibilidade de harmonizar o vinho não apenas com o queijo, mas com a música! Essa descoberta mostrou que a música pode modificar a experiência de beber vinho. Segundo os pesquisadores:

“Em geral, os resultados do presente estudo demonstram a existência de correspondências intermodais entre música e vinho, bem como o impacto da música na modulação da experiência de consumo de vinho“ – texto retirado do artigo.

Associações Intermodais – Música, Cor e Pintura

Em 2013, um experimento foi feito por pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia – Berkeley, tentando identificar a relação entre música e cor. Eles identificaram que pessoas não sinestésicas também possuem associações entre música e cor, só não vivenciam as cores ao ouvir música – como acontece com os sinestésicos.

Além disso, o experimento revelou a existência de associações notavelmente fortes entre a música orquestral clássica de Bach, Mozart e Brahms, e dimensões de aparência da cor em participantes não sinestésicos.

Em particular, a música mais rápida no modo maior foi geralmente associada a cores mais saturadas, mais claras e mais amareladas, enquanto a música mais lenta no modo menor foi associada a cores mais dessaturadas (mais acinzentadas), mais escuras e mais azuis.

O estudo concluiu que existe uma relação entre música, cor e emoção (voltamos para ela). Segundo os pesquisadores:

“Música e emoção podem muito bem ser universais. Ainda não está claro se resultados semelhantes serão evidentes em culturas que usam escalas e estruturas musicais não ocidentais” – texto retirado do artigo.

Em concordância com esse experimento, um outro estudo feito por pesquisadores na Itália, também identificou a existência de associações intermodais entre estímulos visuais (pintura e imagem), e estímulos auditivos (som/música). Segundo os pesquisadores italianos:

“Esses achados corroboram a interpretação de que as associações se devem, em parte, a padrões de similaridade qualitativa presentes em estímulos de diferentes modalidades sensoriais” – texto retirado do artigo.

Tudo isso nos mostra o quão complexo pode ser falarmos sobre percepção. E, mesmo quando falamos de percepção auditiva musical, nossos outros sentidos também estão trabalhando. Isso quer dizer que qualquer outro sentido ou estímulo pode interferir, alterar, ou acentuar qualquer percepção auditiva que tenhamos.

Além disso, a música (enquanto percepção auditiva), pode interferir em outros estímulos sensoriais, até mesmo acentuando a degustação de vinhos (como mencionamos aqui).

Sendo nossa percepção, em geral, uma percepção multissensorial, esses estudos sobre associações intermodais podem nos ajudar a entender um pouco melhor toda essa loucura perceptiva. E, quem sabe, compreendermos de forma mais eficaz o mundo que nos cerca.

Referências

(De onde tiramos essas informações)

Albertazzi L., Canal L., Micciolo R. (2015). Cross-modal associations between materic painting and classical Spanish music. Frontiers in Psychology, 6, 1644–1078.

Iosifyan, M., Sidoroff-Dorso, A., & Wolfe, J. (2022). Cross-modal associations between paintings and sounds: Effects of embodiment. Perception, 51(12), 871-888

Levitan C. A., Charney S. A., Schloss K. B., Palmer S. E. (2015). The smell of jazz: Crossmodal correspondences between music, odor, and emotion. Proceedings of the 37th Annual Meeting of the Cognitive Science Society, 1326–1331.

Palmer S. E., Schloss K. B., Xu Z., Prado-León L. R. (2013). Music-color associations are mediated by emotion. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 110, 8836–8841

Wang Q. (Janice), Spence C. (2015). Assessing the effect of musical congruency on wine tasting in a live performance setting. I-Perception, 6, 1–13