Teclas de um piano com maquinário exposto.

O que acontece no cérebro quando improvisamos? – Um duelo entre Jazz e Clássico

A improvisação musical é um processo fascinante que envolve a criação instantânea de música ou de frase/melodia musical. Basicamente, o músico ou compositor é direcionado a criar algo de maneira “espontânea”, ou seja, que não está escrito ou que não é esperado naquela música.

Hoje nós sabemos que compositores e músicos que improvisam abordam a criação musical de maneiras diferentes, o que levanta algumas questões como: a improvisação musical ativa regiões cerebrais específicas ou essas regiões variam de pessoa para pessoa?

Curiosidade e Criatividade Musical

Compôr música envolve planejamento, revisão, e um processo criativo motivado pela curiosidade (como falamos no artigo anterior). Mas essa curiosidade pode se sobrepor ao processo de improvisação.

Estudos recentes examinaram músicos profissionais para entender como o cérebro se comporta durante a composição e improvisação de estilos musicais distintos.

Estudos com fMRI em Músicos – Pianistas Clássicos

A primeira pesquisa que falaremos é sobre estudos de fMRI (ressonância magnética funcional) feitos com músicos, pianistas de formação clássica, improvisando em teclados.

O pesquisador Bengtsson e colegas estudaram como o cérebro mudava durante a improvisação em onze pianistas suecos. Esses pianistas tocaram um pequeno teclado dentro de uma máquina de ressonância magnética (fMRI). Três condições foram analisadas: “improvisar“, “reproduzir” e “descanso“.

Os resultados mostraram a ativação de várias áreas nos lobos frontal e temporal do cérebro, incluindo:

  • Córtex pré-frontal dorsolateral direito: envolvido na reação a estímulos.
  • Área motora pré-suplementar: associada à alteração do comportamento em resposta a mudanças nas sequências de eventos.
  • Porção rostral do córtex pré-motor dorsal: possivelmente envolvida na memória para movimentos durante tarefas específicas.
  • Parte posterior esquerda do giro temporal superior: inclui o córtex auditivo e a área de Wernicke, envolvida na compreensão da linguagem.
Representação de áreas ativadas nos cérebros de pianistas de música clássica.
Áreas ativadas nos cérebros de pianistas com formação clássica que ouviram partituras com um “modelo” de música e foram solicitados a improvisar com base naquele padrão e a lembrar o que improvisaram.

Essas áreas fazem parte de uma rede envolvida na criação musical. No entanto, as condições de improvisação neste estudo estavam longe de ser típicas para a maioria dos músicos, o que pode ter influenciado os resultados.

Estudos com fMRI em Músicos – Pianistas de Jazz

Em contraste, pesquisa realizada pelo laboratório de Charles Limb, examinou a improvisação em seis pianistas de jazz profissionais. Esses pianistas, diferentes dos clássicos, eram conhecidos por serem excelentes improvisadores. Quatro condições foram analisadas:

  • Controle de escala: tocar uma escala de dó maior.
  • Improvisação de escala: improvisar uma melodia dentro da escala de dó maior.
  • Controle de jazz: tocar uma composição de jazz memorizada.
  • Improvisação de jazz: improvisar livremente sobre a mesma música de jazz.

Ao contrário do estudo com pianistas clássicos, houve uma desativação generalizada de áreas cerebrais durante a improvisação. Áreas como o córtex pré-frontal dorsolateral foram desativadas, enquanto outras, como a porção frontal do córtex pré-frontal medial e áreas sensoriais e motoras, foram ativadas.

Representação de áreas ativadas e destivadas nos cérebros de pianistas de jazz.
Áreas ativadas nos cérebros de pianistas de jazz improvisando junto com uma peça de música jazz gravada. As áreas em cinza claro foram desativadas enquanto as áreas em cinza escuro foram ativadas. Observe que algumas das áreas ativadas aqui são as mesmas da figura anterior, enquanto outras que foram ativadas no estudo da música clássica são desativadas aqui (por exemplo, o córtex pré-frontal dorsolateral). FPM = córtex pré-frontal medial; Occ = occipital; Temperatura = temporal.

Análise Comparativa – Ativação e Desativação Cerebral

A improvisação espontânea de jazz levou à ativação e desativação de áreas cerebrais distintas. Acredita-se que algumas áreas desativadas nos pianistas de jazz codificam uma estrutura que monitora e corrige nossos comportamentos direcionados a objetivos. A desativação dessas áreas durante a improvisação sugere que é necessário uma inspiração, ou um “flow” ou “feeling”, para que essa estrutura crie algo novo.

Diferentes Abordagens à Improvisação

Enquanto os pianistas clássicos seguiam um modelo musical e memorizavam suas improvisações, os pianistas de jazz eram livres para improvisar. Essa diferença metodológica pode ter influenciado os resultados, destacando a importância do contexto e da abordagem na investigação da criatividade musical.

Conclusão

A improvisação musical envolve processos cerebrais complexos e distintos, variando entre estilos musicais como jazz e clássico. A curiosidade e a capacidade de “fluir”, e a alteração de estruturas cerebrais são fundamentais para a criação de novas ideias musicais – ou improvisação, como chamamos.

Estudos como os de Bengtsson e Charles Limb nos ajudam a entender melhor como o cérebro articula a criatividade musical e a improvisação. Mas será que isso se aplica a todos os estilos e instrumentos musicais? Quem sabe a ciência consiga ter essa resposta um dia.


Referências

Bengtsson, S. L., M. Csíkszentmihályi, and F. Ullén. “Cortical Regions Involved in the Generation of Musical Structures During Improvisation in Pianists.” Journal of Cognitive Neuroscience 19 (2007): 830–42.

Limb, C. J., and A. R. Braun. “Neural Substrates of Spontaneous Musical Performance: An FMRI Study of Jazz Improvisation.” PLoS One 27 (2008): 3(2): e1679.

Sherman, L., & Dennis, P. EVERY BRAIN NEEDS MUSIC -The Neuroscience of Making and Listening to Music. New York: Columbia University Press, 2023.


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