Mulheres tocando em uma orquestra.

Como nosso cérebro processa Ritmo, Melodia e Harmonia?

A música é uma forma artística e expressiva sonora, com características peculiares que são fundamentais na sua compreensão. Todo mundo que já estudou música (ou estuda) se deparou com questões básicas como: Ritmo, Melodia e Harmonia.

Mas, como essas questões são processadas em nosso cérebro? E qual a importância de cada uma delas para nós? Será que existe uma resposta?

Bom, talvez existam várias respostas (rs). Por isso, o famoso neurocientista Oliver Sacks já dizia que nós, humanos, somos uma espécie totalmente musical:

Nós, humanos, somos uma espécie musical. […] Todos nós (com pouquíssimas exceções) somos capazes de perceber música, tons, timbre, intervalos entre notas, contornos melódicos, harmonia, e talvez no nível mais fundamental, ritmo. Integramos isso tudo e construímos a música na mente usando muitas partes do cérebro (SACKS, 2007, p. 11).

Ritmo

Já falamos por aqui que a música é processada por diferentes partes do nosso cérebro. Em outras palavras, o cérebro é capaz de fragmentar os atributos musicais para melhor entendê-los. O que chamamos de ritmo musical existe para ajudar o cérebro nessa complexa tarefa.

O pesquisador Robert Jourdain disse que o ritmo desenha a linha em torno das figuras musicais, e que sem ele, o cérebro seria rapidamente esmagado por um aglomerado de informações sonoras (dramático, não?!).

O famoso filósofo Friedrich Nietzsche já falava sobre o efeito da arte e de como o ritmo é capaz de nos mover e de influenciar na nossa própria fisiologia, a maneira como nosso corpo trabalha. E ele não estava errado!

Platão também observou que, embora nossos corpos sejam parecidos com os dos animais, nós mostramos muito mais atividade rítmica e exercemos um controle muito maior sobre o ritmo em tudo o que fazemos. Ele observou que “o ritmo vem da mente e não do corpo“.

Ritmo e Sincronia

O ritmo é capaz de transformar ouvintes em participantes. Afinal, quem nunca sentiu vontade de dançar ao som de uma música que gosta? A dança, que geralmente é baseada em uma atividade rítmica em sincronização com a música, tem uma longa tradição em muitas culturas e ao longo da evolução da humanidade.

Por isso, Oliver Sacks disse que o ritmo pode muito bem ter tido uma função cultural e econômica crucial na evolução humana, unindo as pessoas, gerando sentimento de coletividade e comunidade.

Assim, é possível vermos a utilização do ritmo em vários contextos, como nas marchas, onde o ritmo serve para impulsionar e coordenar o movimento e para estimular uma excitação coletiva e talvez marcial.

Isso acontece porque o ritmo musical (ou externo) é poderoso o suficiente para interagir e até modificar nosso ritmo fisiológico (interno). Isso foi apontado pelos pesquisadores W. Trost e C. Labbé.

Segundo eles, nossa frequência cardíaca, e toda nossa fisiologia, pode ser influenciada pelo ritmo da música que estamos ouvindo.

Melodia

Já a melodia apresenta uma gigantesca relação com nossa memória. Por isso, o neurocientista Daniel Levitin disse que a música que você ouviu em diferentes ocasiões de sua vida é codificada paralelamente aos fatos e acontecimentos daquela época. Ou seja, a música é relacionada aos fatos, e os fatos são relacionados à música.

Basta ouvirmos uma canção que não ouvíamos desde uma época específica de nossas vidas para os portões da memória se abrirem e sermos tomados por lembranças.

Isso acontece porque a memória afeta de maneira tão profunda o ato de ouvir música que não seria exagerado afirmar que sem memória provavelmente não existiria música.

Por isso, existem tantas pesquisas que relacionam a melodia musical à questões da memória – pesquisas que vão desde memória infantil até a utilização da música (principalmente melodia) no tratamento de pessoas com Alzheimer, por exemplo.

Oliver Sacks foi um dos pioneiros ao estudar essa questão da melodia musical no tratamento de pessoas com Alzheimer e seus benefícios. Ainda hoje são muitas as pesquisas sobre o tema, principalmente na área de musicoterapia, tendo a melodia como um fator de auxílio no tratamento de doenças (incrível, não é mesmo?).

Uma pesquisa de 2019 sobre melodia musical no tratamento de Alzheimer, identificou que a música possui a capacidade de ativar globalmente as regiões cerebrais e o sistema vascular. Além disso, a pesquisa identificou que, na maioria dos casos clínicos de pacientes com Alzheimer, tanto a memória musical semântica anterógrada quanto retrógrada, ainda funcionava parcialmente.

Ou seja, os pacientes com Alzheimer, se lembravam tanto de melodias que aprenderam antes de desenvolver a doença, quanto melodias aprendidas após a doença se desenvolver.

Isso mostra o poder da música, e como ela pode ser usada até mesmo como um remédio (como já dizia Oliver Sacks).

Mas, ainda não sabemos o motivos desta relação entre melodia e memória. O que sabemos, além dos benefícios, é que as melodias musicais não são processadas em nosso cérebro de maneira simples e sequencial. Ao contrário. Ao processar melodias, o nosso cérebro necessita criar um esquema cognitivo complexo.

Harmonia

Já a harmonia, na música, é análoga ao espaço na pintura. Na verdade, alguns musicólogos descrevem a harmonia como a terceira dimensão da música. A análise do processamento neurológico musical harmônico é de extrema complexidade. A ideia de harmonia tonal é relativa, pois tem relação com a cultura onde a pessoa está inserida (afinal, não existe somente música tonal no mundo).

No entanto, o cérebro é capaz de analisar as dezenas de frequências que chegam, unindo-as da melhor maneira, o que pode fazer disso um atrativo para algumas pessoas que podem enxergar a harmonia como um “Puzzle” musical.

Por isso, diversos estudos buscam compreender os mecanismos neurais envolvidos no processamento da harmonia musical. Estudos realizados por Koelsch (2006) apresentam dados referentes ao julgamento em sequências de acordes aplicados a diferentes grupos. Os resultados demonstraram que acordes irregulares, em uma sequência harmônica tonal, são processados por estruturas cerebrais semelhantes, tanto nos adultos sem treino musical como pelas crianças.

Os cientistas observaram também que os músicos utilizam a memória de trabalho para o processamento de alturas, bem como para detectar as mudanças dos acordes, enquanto as crianças e os adultos sem treinamento musical a utilizam muito menos.

Outra pesquisa (BIGAND, 2005), avaliou a rapidez com que os ouvintes decifram acordes com notas dissonantes. Os estudos mostraram que adultos ocidentais são implicitamente sensíveis a tênues diferenças de funções musicais.

Pesquisas comprovaram que pessoas que não possuem formação musical apresentam diferentes reações fisiológicas ao ouvirem acordes maiores ou menores (LEVITIN, 2011).

Tudo isso acontece, de acordo com o pesquisador Muniz, porque a música contém um elemento de prazer e, segundo a Neurociência, o que é acompanhado de prazer fica gravado mais profundamente na memória de longo prazo!


Referências

Bigand, E. & Vieillard, S. & Madurell, F. & Marozeau, Jeremy & Alice, Daquet. (2005). ‘Multidimensional Scaling of Emotional Responses to Music: the Effect of Musical Expertise and of the Duration of the Excerpts’. Cognition & Emotion. 19. 10.1080/02699930500204250.

Groussard, Mathilde et al. ‘Preservation of Musical Memory Throughout the Progression of Alzheimer’s Disease? Toward a Reconciliation of Theoretical, Clinical, and Neuroimaging Evidence’. 1 Jan. 2019: 857 – 883.

JOURDAIN, R. Música, Cérebro e êxtase. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

Koelsch, Stefan et al. “Investigating emotion with music: an fMRI study.” Human brain mapping vol. 27,3 (2006): 239-50. doi:10.1002/hbm.20180

LEVITIN, D. J. A MÚSICA NO SEU CÉREBRO. Tradução de Clóvis Marques. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

MUNIZ, I. A neurociência e as emoções do ato de aprender. Bahia: Via Litterarum, 2012.

SACKS, O. Alucinações Musicais. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

W. Trost; C. Labbé; D. Grandjean, Rhythmic entrainment as a musical affect induction mechanism, Neuropsychologia, 2017. http://dx.doi.org/10.1016/j.neuropsychologia.2017.01.004


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