Mulher tampando os ouvidos enquanto auto-falantes tocam música ao fundo.

Alucinações Musicais

São muitos os mistérios envoltos na arte musical. Para começar, não conseguimos definir o que seria “música” ou “arte”. Segundo que, embora a música seja a forma de arte mais consumida do mundo, ainda existem pessoas que, mesmo que por questões neurológicas, não gostam ou não conseguem entender música.

De fato, a magia musical proporciona prazer para a maioria dos seres humanos, e os benefícios atribuídos tanto à prática quanto à escuta musical são inúmeros e dignos de serem exaltados. Porém, existe o caso de pessoas que sofrem alucinações musicais, e essa experiência pode não ser tão benéfica.

Alucinações musicais

Você já deve ter ouvido este termo, certo? Mas o que são de fato alucinações musicais e como isso pode ser diferente do ato de imaginar música (tema que já falamos por aqui)?

O tema é bastante complexo e, até certo ponto, meio recente na pesquisa médica. Os primeiros relatos sobre o tema surgiram na década de 50, mas foi só em 1975 que Norman Geschwind e seus colegas publicaram um artigo fundamental sobre alucinações musicais.

Depois disso, a pesquisa sobre o tema começou a ganhar mais repercussão. Inclusive o famoso neurocientista e médico Oliver Sacks escreveu um livro importantíssimo com o título “Alucinações Musicais” – um dos mais relevantes da pesquisa em neurociência e música.

Mas o que são de fato essas alucinações?

Alucinações musicais são diferentes de imagens mentais musicais, pois elas são involuntárias. A pessoa que possui essa condição pode não ter controle sobre quando ou o quê irão ouvir.

A musicoterapeuta Clotilde Espínola disse que alucinações auditivas podem surgir sob forma elementar como ruídos, zumbidos, murmúrios, estalos, melodias, toques de campainha, etc. Além disso, essas alucinações podem se apresentar como uma censura ou ameaça.

Oliver Sacks disse que, embora diversos fatores predisponham as alucinações musicais, os fenômenos e o formato dessas alucinações são notavelmente invariáveis. Ou seja, não existe uma única causa ou padrão. Em seu livro, ao descrever alguns casos clínicos sobre isso, o médico disse:

A maioria dos meus pacientes e correspondentes ressalta que a música que eles “ouvem” parece, de início, ter origem externa: um rádio ou televisão próximos, um vizinho ouvindo disco, uma banda debaixo da janela ou coisas do gênero. Só quando não encontram a tal fonte externa os pacientes são levados a inferir que a música está sendo gerada em seu cérebro. – Oliver Sacks

Em geral, as pessoas só percebem que estão alucinando quando não encontram a origem daquele som – pois é involuntário. Além disso, embora esse quadro clínico seja mais comum em pacientes idosos e com problemas auditivos, ainda assim não existe padrão. O próprio Sacks relata um caso deste presente em uma criança de 9 anos sem problemas neurológicos ou auditivos.

Por isso, na maioria dos casos, essa “experiência” ou condição patológica acaba por transformar a maneira como o indivíduo vivencia a arte musical. Muitas vezes, os pacientes relatam que são “torturados” com essas músicas ou sons que não saem de suas cabeças. Contudo, existem casos, como descritos por Oliver Sacks, onde o paciente utiliza da própria música para “combater” as alucinações musicais.

Alucinações musicais – relato de famosos

No livro “Música, Cérebro e Êxtase“, Robert Jourdain cita Clara Schumann (esposa do compositor Robert Schumann), que escreveu em seu diário que seu marido ouvia “músicas tão gloriosas, e com instrumentos de sons mais fascinantes do que jamais se ouviu na Terra“. Além disso, um dos amigos de Schumann contou que o compositor desabafou sobre esse estranho fenômeno que acontecia com ele. O caso de Schumann também é descrito no livro “Music and Madness” (Música e Loucura), de Peter Ostwald.

Em 1983, o jornal New York Times publicou um artigo sobre o caso do compositor russo Dmitri Shostakovich. Segundo a história, o compositor teria sido atingido por uma granada alemã durante o cerco de Leningrado. Alguns anos depois um raio X revelou que havia um fragmento de metal encravado na área auditiva direita de seu cérebro. Segundo o artigo do New York Times:

Shostakovich, porém, relutava em permitir a remoção do metal, e não era para menos: afirmou que desde que o fragmento estava lá, cada vez que ele inclinava a cabeça podia ouvir música. Sua cabeça estava povoada por melodias, diferentes a cada vez, das quais ele se servia ao compor

Embora Shostakovich tenha conseguido aproveitar desta condição para compor, a história com o compositor Tchaikovsky foi bem diferente. Segundo relatos de Robert Jourdain, Tchaikovski quando criança foi encontrado chorando na cama, gritando: “Essa música! Está na minha cabeça. Salve-me dela!”

Conclusão

Embora as alucinações musicais sejam pesquisadas há décadas, ainda não sabemos ao certo por que elas ocorrem e nem como tratá-las. Existem hipóteses médicas, mas, como os casos são diversos, a medicina ainda busca solucionar este quadro. Quem sabe, um dia, conseguiremos entender melhor as causas deste transtorno e como remediá-lo. E, talvez, o antídoto esteja na própria arte musical.


Referências

JOURDAIN, R. Música, Cérebro e êxtase. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

LEINIG, C. E. A MÚSICA E A CIÊNCIA SE ENCONTRAM. Curitiba: Juruá, 2009.

SACKS, O. Alucinações Musicais. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.


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