Acordes maiores e menores evocam emoções específicas?
Todo mundo que já estudou música, principalmente harmonia e estrutura de acordes, já ouviu essa história de que acordes maiores evocam sentimentos felizes, enquanto acordes menores evocam sentimentos tristes.
A pergunta que fazemos hoje é – Será que isso é verdade?
O que a ciência pode nos dizer sobre isso?
Estrutura dos acordes
Em primeiro lugar, precisamos definir o que é um acorde.
Acordes são três ou mais notas tocadas simultaneamente. Eles são construções fundamentais na música, e os blocos construtores da harmonia.
Alguns dizem que eles são capazes de comunicar significado mesmo quando apresentados de forma isolada, sem contexto estrutural. Será?
Entre os principais acordes, destacam-se as tríades (acordes formados por três notas: a nota fundamental, a terça, e a quinta) maiores e menores, que compartilham uma quinta perfeita – localizada sete semitons acima da nota fundamental.
A principal diferença entre elas está na nota intermediária, a terça — nas tríades maiores, a terça é maior; já nas tríades menores, a terça é menor.
Ou seja, o que difere um acorde maior de um menor é a nota do meio (a terça), como exemplificado abaixo :
Acordes e emoções
Na música ocidental, os compositores costumam utilizar acordes maiores para representar emoções positivas e menores para expressar emoções negativas.
Isso ocorre porque os acordes servem como resumos harmônicos que sintetizam as relações presentes nas assinaturas de clave, permitindo que emoções sejam representadas de maneira clara e eficiente.
Mas será que essa afirmação está correta ou é apenas uma ideia do senso comum, que nós que estudamos música ouvimos muito? Será que podemos classificar, por exemplo, a Sinfonia de Mozart, n. 40 em Gm (Sol menor), como uma música triste? Fica a dúvida…
Esse e outros exemplos de música nos levam a crer que talvez essa ideia (acorde menores = emoções tristes), não esteja correta.
Mas, o que a ciência nos diz sobre isso?
Os acordes e a neurociência
Lembra do córtex auditivo? Aquela região do seu cérebro que processa as informações sonoras? Pois bem, uma das funções nas áreas do córtex auditivo secundário envolve a forma como percebemos os diferentes acordes.
Por exemplo, uma parte do córtex auditivo chamada de sulco temporal superior parece ajudar a distinguir acordes maiores de acordes menores. Notavelmente, a partir daí, esses acordes são processados por diferentes áreas do cérebro fora do córtex auditivo, onde lhes é atribuído significado emocional.
Segundo o neurocientista Larry Sherman, num estudo de como o cérebro reage a acordes consonantes, os participantes ouviram acordes consonantes ou dissonantes (notas que soam “ruins” juntas), nas tonalidades menor e maior, e seus cérebros foram analisados usando um método chamado tomografia por emissão de pósitrons (PET) – a tomografia PET pode ser usada para monitorar o fluxo sanguíneo no cérebro como uma medida da atividade cerebral, mas usa moléculas traçadoras que são injetadas na corrente sanguínea.
Os pesquisadores concluíram que os acordes menores ativaram uma área do cérebro envolvida no processamento de recompensas e emoções (o corpo estriado direito), enquanto os acordes maiores induziram atividade significativa em uma área importante para integrar e dar sentido às informações sensoriais de várias partes do corpo (giro temporal médio esquerdo).
Estas descobertas sugerem a localização de vias no cérebro que contribuem para uma sensação de felicidade ou tristeza em resposta a certos estímulos, como a música. Mas será que isso responde nossa pergunta?
Outras pesquisas
Outra pesquisa sobre acordes e emoção, realizada pelo neurocientista Yi-Chan, relatou que o mesmo acorde seguido por acordes diferentes, pode evocar emoções diferentes. Em outras palavras, a emoção evocada por um acorde depende do acorde anterior. Além disso, a emoção expressa por um acorde depende do contexto musical.
Assim, a emoção evocada, segundo a pesquisa, depende de toda estrutura da composição musical, e não somente do acorde. (Ok, isso talvez explicaria nossa questão sobre a Sinfonia em Gm de Mozart).
Além disso, o neurocientista D. Bakker escreveu que não há dúvidas que a música provoque respostas emocionais nos ouvintes. Mas até o momento, os mecanismos específicos que dão à música o seu significado emocional permanecem relativamente obscuros.
Isso acontece porque a música é um estímulo muito complexo, construído a partir de muitos elementos acústicos e com uma multiplicidade de significados culturais e sociais que precisam ser levados em consideração.
Por fim, uma outra pesquisa sobre acordes e emoção, do neurocientista Kolchinsky, apresentou resultados que sugerem que os acordes maiores não são os mais felizes, mas todas as três categorias de acordes de 7ª consideradas aqui (7ª menor, 7ª maior, e 7ª dominante) exibem valência mais alta do que os acordes (tríades) maiores.
Isso colocaria a ideia de que “acordes maiores evocam sentimentos felizes” em discussão, como todas as demais pesquisas que foram citadas acima.
Mas, ainda existe mais uma questão… e quando o estímulo sonoro for somado ao estímulo visual, será que a emoção que é gerada a partir da música pode ter influência também através da visão?
O visual pode ajudar
Uma pesquisa interessante do neurocientista K. Pallesen, apontou que as emoções causadas por acordes na música podem estar associadas também aos estímulos visuais.
Em outras palavras, como a música é comumente apresentada simultaneamente com estímulos visuais (shows, vídeos, capas de cds, etc.), combinar acordes musicais e estímulos visuais para entender seu efeito emocional pode ser uma maneira válida de deduzir o poder emocional dos acordes na música e, quem sabe, nos dar uma resposta mais assertiva sobre todas essas questões.
Referências
Bakker, D. R., & Martin, F. H. (2015). Musical chords and emotion: Major and minor triads are processed for emotion. Cognitive, Affective & Behavioral Neuroscience, 15(1), 15–31. https://doi.org/10.3758/s13415-014-0309-4
Kolchinsky, A., N. Dhande, K. Park, and Y. Y. Ahn. “The Minor Fall, the Major Lift: Inferring Emotional Valence of Musical Chords Through Lyrics”. Royal Society Open Science 4 (2017): 170952.
Pallesen, K. J., E. Brattico, C. Bailey, A. Korvenoja, J. Koivisto, A. Gjedde, and S. Carlson. “Emotion Processing of Major, Minor, and Dissonant Chords: A Functional Magnetic Resonance Imaging Study.” Annals of the New York Academy of Sciences 1060 (2005): 450–53.
Sherman, L., & Dennis, P. EVERY BRAIN NEEDS MUSIC -The Neuroscience of Making and Listening to. Columbia University Press, 2023.
Yi-Chan Wu; Homer H. Chen, “Generation of Affective Accompaniment in Accordance With Emotion Flow,” in IEEE/ACM Transactions on Audio, Speech, and Language Processing, vol. 24, no. 12, pp. 2277-2287, Dec. 2016, doi: 10.1109/TASLP.2016.2603006